quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

2º Festival Internacional de Cinema do Funchal

Data: 13 a 19 Novembro 2006

Composto pela projecção de 38 filmes, sendo 26 longas-metragens e 12 curta-metragem, teve na competição oficial competitiva, o seu pilar de sustentação.

Para tal foram convidados como membros do júri o fotógrafo João Pestana, a cineasta Carlota Gonçalves e o produtor norueguês Ruben Thorkildsen.

A abertura oficial do festival realizou-se com o filme “Paris, je t’aime” que contou com a presença do realizador Frédéric Auburtin, assim como Dominique Chastres, o coordenador geral da Festa do Cinema Francês em Portugal, um programa especifico composto por sete filmes produzidos por aquela potência cinematográfica.
As manhãs do festival foram preenchidas pela secção AnimArte, que decorreram na sala Cinemax e em sessão dupla. O sucesso deste programa especifico deveu-se também ao interesse de diversas escolas do Funchal, e que encheram a sala com os seus alunos.

Actividades paralelas:
Homenagem ao actor Virgílio Teixeira com retrospectiva de 2 filmes dos filmes em que protagonizou.

Com edição própria do FICF, destacamos ainda o lançamento de um livro da autoria de Lúcia Silva, sobre a carreira do actor. Presidiu a cerimónia, Sua Ex.ª o Secretário Regional do Turismo e Cultura, perante uma ilustre plateia que encheu por completo o átrio do Teatro Municipal. No final, o director do festival sugeriu á Câmara municipal, também presente, que fosse atribuído o nome do actor a uma rua da nossa cidade. Por fim, o festival entregou o Prémio Carreira aquando a cerimónia de encerramento.
As curtas-metragens em competição, foi outra novidade e veio dar maior estatuto e competitividade ao próprio festival. Foram 12 os filmes seleccionados e 2 os premiados com os realizadores presentes no evento.
Fora de concurso, tivemos ainda 2 propostas muito interessantes. A da coreógrafa e realizadora Olga Roriz e o do videasta madeirense Hugo Olim.
A Festa do Cinema Francês, composto por 7 filmes, sendo 2 dos quais para o publico infanto-juvenil e 1 filme – “Tricheurs” – escolhido para o encerramento por ter no elenco o homenageado e por ter sido rodado na Madeira e particularmente no Casino da Madeira, em 1983.
Diversos convidados marcaram presença no festival, caso de altos dignatários do Instituto do Cinema, das distribuidoras, realizadores, produtores e jornalistas de Portugal continental.
A todos eles foi-lhes proporcionado um programa de visitas guiadas; passeios marítimos; festas nocturnas, etc. merecedores dos melhores comentários os quais registamos com grande satisfação.
O final do festival foi marcado pela cerimónia de entrega de prémios no Teatro Municipal, onde todos os 7 premiados estiveram presente para receber pessoalmente o troféu do festival.
O Café do Teatro foi o local para a festa de encerramento da 2ª edição do FICFEsta edição podemos assistir a um interesse crescente por parte da Comunicação Social da Madeira, com destaque para as intervenções em directo desde o local do evento para o telejornal da RTP-M, em horário nobre; a cobertura diária da imprensa escrita e ainda no plano nacional e internacional com informação sobre o evento em diversas publicações da especialidade e generalista e ainda na Internet.

Palmarés Longas-metragens:
Melhor Filme: “L'ENFANT ENDORMI” de Yasmine Kassari
Melhor Actriz: RACHIDA BRAKNI por “L'Enfant Endormi”
Melhor Actriz: STANISLAS MERHAR por “Muetter”
Prémio Especial do Júri: “MULHERES DO BRASIL” de Malú De Martino
Menção Honrosa: “MUETTER” de Dominique Lienhard
Prémio da Audiência: “POSDATA” de Rafael Escolar


Palmarés Curtas-metragens:
Melhor Filme: “CORRIENTES CIRCULARES” de Mikel Alvariño
Prémio Especial do Júri: “ONE HUNDRED OF A SECOND” de Susan Jacobson


Prémio de Carreira: ao Actor VIRGILIO TEIXEIRA

Homenagem ao actor Virgílio Teixeira

Virgílio Delgado Teixeira nasceu no dia 26 de Outubro de 1917, na cidade do Funchal.

Galã português do cinema nos anos 40, 50 e 60, Virgílio Teixeira conseguiu, desde o início da sua carreira, ultrapassar as próprias fronteiras geográficas da sétima arte. Numa altura em que o mundo se recompunha de um período bastante conturbado, como a Segunda Guerra Mundial, nos finais dos anos 40 havia a vontade de mudar.
É neste contexto que surge Virgílio Teixeira; um jovem madeirense que decide, em 1940, deixar para trás a ilha que o viu nascer e partir para Lisboa levando na bagagem muitos sonhos e a vontade de ser actor. Ao pai, disse « vou ali e já volto » não imaginando que a sua ausência fosse tão longa quanto pensava. Voltou à Madeira vinte e sete anos depois, sendo já actor professional e com um invejável currículo cinematográfico.
Em Portugal, nos anos 40, participou em diversos filmes e a meados dos anos 50 contracenou, em Hollywood, com grandes nomes do cinema norte-americano, experiência que lhe permitiu fazer « amigos para toda a vida ».
Já nos anos 60, em Espanha, o seu trabalho foi reconhecido pelo governo, na altura sob a ditadura de Franco, através do Sindicato Nacional del Espectaculo que lhe concedeu os mesmos direitos civis que dispunham os actores espanhóis.
Virgílio Teixeira regista 92 participações em filmes que se repartem por produções portuguesas, espanholas, italianas, francesas, holandesas, inglesas e americanas, « sem nunca ter tido uma aula de representação. Como é que eu faço 92 filmes sem nunca ter aprendido a representar é uma das perguntas que ainda hoje faço a mim próprio. Sinceramente? Não sei…».
Tudo começou em 1941, ano em que decidiu partir para Lisboa, deixando para trás a família, os amigos e a ilha que o viu nascer.
“Estamos a falar de um “puto” de vinte e poucos anos vindo de uma ilha como a Madeira e que agora se deparava com um cenário e um mundo muito diferente aos quais não estava habituado. Tinha quase tudo penhorado. Roupas, sapatos, objectos pessoais. Como conhecia e era amigo do dono da loja de penhora conseguia lá ir trocar de fato para não ter que andar sempre com a mesma roupa. Isto até ao dia em que decidi pedir dinheiro ao meu pai e ele respondeu: “ — Dinheiro não te mando. Mando-te sim a passagem para vires para a Madeira”. Recebi a passagem de barco. Lembro-me de chegar ao Cais do Sodré, olhar para o barco e olhar para a passagem e pensar: Vais porque tens de ir e não porque queiras ir. Que se lixe! Nem que morra aqui de fome, não vou!»
Estava assim dado aquele que seria o passo mais importante na vida de Virgílio Teixeira.
Do anonimato para as luzes da ribalta
Com pouco mais de vinte anos, foi então que, à porta do Paladium, um clube muito frequentado por pessoas ligadas ao cinema, alguém lhe bateu nas costas; « Era um sábado e eu lembro-me de estar cheio de fome em frente ao Paladium. Chegou ao pé de mim um senhor chamado Armando Miranda, que me perguntou: “ — É o Virgílio Teixeira? Ele disse-me que estava à procura de um galã para o cinema. Como era sábado, marcou um encontro para a segunda-feira seguinte de modo a que acertássemos os pormenores do contrato. Foi na segunda-feira que fiquei a saber que iria contracenar no filme “Ave de Arribação”, com grandes actores, entre os quais, a Leonor Maia e o Assis Pacheco e que ganharia quinze contos pelo contrato».
O segundo filme que fez foi em território espanhol e intitulava-se “Cero en conducta” (Madalena, zero em comportamento) de Frederico Topel e Pedro Opzoup. Como foi parar a Espanha, Virgílio Teixeira explica que essa passagem surgiu por convite já que nos estúdios de cinema em Lisboa se travavam muitos conhecimentos entre actores e realizadores quer portugueses, quer estrangeiros.
« Uma produção “louca” já que reunia pessoas de quase todos os países da Europa. O realizador era polaco, bem como, a actriz principal. O operador de imagem era italiano, o assistente da direcção era alemão. Falava-se ali cinco ou seis línguas o que era muito divertido », recorda o actor.
Foi nesta altura, e já de regresso a Lisboa, que Virgílio Teixeira viu a sua carreira cimentar-se e tornar-se num dos actores mais requisitados do meio cinematográfico da altura. Apesar de ter participado no “Ave de Arribação” (1943), na comédia “O Costa do Castelo (1943) de Arthur Duarte e no drama “Um Homem às Direitas” (1944) de Jorge Brum de Canto, produções com grande êxito de bilheteira, foi com a película “José do Telhado” (1945), de Armando Miranda, que o actor madeirense recebeu o prémio do S.N.I. para o Melhor Actor do Ano.
Quer fosse pelo físico ou talento, a verdade é que Virgílio Teixeira conquistou desde logo as atenções, quer do público, quer das grandes produtoras cinematográficas. Foi em 1947, com o filme “Fado, história d'uma cantadeira”, do realizador Perdigão Queiroga, que o actor contracenou com a diva do fado português, Amália Rodrigues e protagonizou a célebre cena na qual o “Júlio Guitarrista” ensina a fadista “Ana Maria” a cantar.
Assumida figura pública nos anos 50, Virgílio Teixeira continuou nos anos seguintes a somar pontos na sua carreira de actor de cinema, chegando a tornar-se num dos rostos mais cobiçados da sétima arte, não só a nível nacional, como também internacional.
Contudo, a passagem por Londres ficou marcada pela sua excelente participação no filme de “The Boy Who Stole a Million”, gravado em 1960 e realizado por Charles Crichton. Esta é a história de um rapaz, filho de um motorista de táxi, que se vê obrigado a roubar um milhão de libras de um banco para ajudar o pai. Um dado curioso e que ainda hoje deixa orgulhoso o actor madeirense é o facto deste filme ter sido a única produção estrangeira que teve como protagonista um actor português.
Entre Portugal, Espanha e os Estados Unidos
Só em Espanha, Virgílio Teixeira viveu 12 anos e participou em 50 filmes. Ainda hoje há espanhóis que pensam que o actor até é espanhol e não português devido à sua grande participação em produções espanholas.
O maior êxito que Virgílio Teixeira teve em Espanha foi com “Agustina de Aragón” de Juan de Orduña, um filme que lhe valeu, em 1951, o prémio de Actor Mais Popular, atribuído pela revista Cine-Mundo. Ainda nesse ano, mas em Lisboa, Virgílio Teixeira recebia o Prémio da Crítica pela revista Imagem.
Ainda nos anos 60, Virgílio Teixeira decide vir para Portugal deixando para trás doze anos de vida passada em Espanha. Reconhecido pelas autoridades espanholas como uma figura importante da sétima arte, o governo espanhol, na altura sob a ditadura de Francisco Franco (militar que governou Espanha entre 1939 e 1975), chegou a conceder-lhe os mesmos direitos que os actores espanhóis, facto que adiou a sua vinda para Portugal.
A razão pela qual a Espanha se tinha tornado num atractivo destino para as grandes produtoras de cinema norte-americanas devia-se à emergente procura do reconhecimento político e ao facto das produtoras de Hollywood procurarem mão-de-obra e cenários baratos.
«E assim foi, vieram as grandes produtoras para Espanha e ali foram produzidos alguns dos maiores épicos alguma vez realizados na história do cinema».
“Alexander, the Great” (Alexandre o Grande) em 1956, de Robert Rossen; “Doctor Zhivago” (Dr. Jivago), em 1965, de David Lean; “Solomon and Sheba” (Salomão e a rainha de Saba), 1958, de King Vidor; “Tommy, the Toreador”, em 1959, de John Paddy Carstairs, “The Return of the Magnificent Seven”(O regresso dos sete magníficos) em 1966, de Burt Kennedy; “Saul and David” em 1964 por Marcello Baldi foram algumas das superproduções norte-americanas filmadas em Espanha nas quais Virgílio Teixeira participou.
Com papéis de maior ou menor importância, a verdade é que o nome do actor madeirense figurava em elencos de luxo.
Exemplo disso foi a sua participação na “runaway production” (termo utilizado para os filmes rodados em território estrangeiro), “Alexandre, o Grande”, em 1956, de Robert Rossen. Ali figuraram os melhores nomes do cinema norte-americano, entre os quais, Alec Guiness, Sophia Loren, Stephan Boyle, James Mason e Omar Sharif.
Mais tarde, em 1962, Virgílio Teixeira assinou contrato para integrar o elenco de “The Happy Thieves” de George Marshall, que contava também com as interpretações Rita Hayworth e Rex Harrison.
À conquista do cinema norte-americano
Embora tivesse sido curta a sua passagem pelos Estados Unidos da América, esta experiência serviu para Virgílio Teixeira criar amizades com grandes nomes do cinema americano.
Conhecido pela sua simpatia e extrema boa-disposição, não lhe era difícil chamar a atenção mesmo daqueles com quem não contracenava, mas que ficava a conhecer através das festas realizadas em Hollywood.
« Eu vim embora de Hollywood porque estava a sentir que aquilo ali começava a ser uma autêntica selva, onde o mais forte é que sobrevivia. Isto aqui é muito perigoso. Por muito dinheiro que possa ganhar não é bom para continuar neste meio, por isso, o melhor que tenho a fazer é voltar para Madrid”. Quando disse aos meus amigos que queria voltar tentaram dissuadir-me dizendo que eu tinha ali futuro e que era mais novo de Ricardo Montalban e Fernando Lamas [actores hispânicos que começavam a surgir com alguma frequência nas produções norte-americanas] e que podia ir ainda mais longe. Contudo, acrescentaram: “— sabes que só conseguirás papéis de personagens latinos”. E por isso não quis arriscar, e não me arrependi. Aliás, ainda hoje não me arrependo».
Madeira não foi o limite nem a paragem da vida do actor
De regresso à Madeira e ainda que andasse constantemente com um pé entre a ilha e o continente português, Virgílio Teixeira não parou de trabalhar. Entrou em várias longas-metragens, entre as quais, “O Crime de Simão Bolandas” (1984), de Jorge Brum do Canto; “Tricheurs” (1984) de Barbet Schroeder, gravado, quase na totalidade no Casino da Madeira; “A Mulher do Próximo” (1988) de José Fonseca e Costa e “Eternidade” (1989) de Quirino Simões. Pelo caminho ainda gravou 150 episódios da telenovela “Chuva na Areia (1988), e as séries televisivas “A Casa da Saudade” de Filipe La Feria e o “Hotel Bon Séjour” gravado na freguesia do Monte, no Funchal, da autoria de Ferrão Katzenstein.
« Tenho saudades de certos momentos, de certas estreias, de certas participações em festivais de cinema. Apesar de terem acontecido coisas muito boas na minha vida, se pudesse voltar atrás saberia limar muitas arestas e seguiria um outro percurso. Mesmo assim, acho que devo orgulhar-me do meu trajecto. Já cheguei, no passado, a sentir que era diferente das outras pessoas. Que não tinha uma vida “normal” como o resto dos comuns dos mortais. Agora já não sinto essa diferença mas confesso que foi uma sensação espantosa».
In “Virgílio Teixeira, Galã do cinema, Cidadão do mundo” de Lúcia Mendonça Silva; Edição do Festival Internacional de Cinema do Funchal, Novembro de 2006.